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| Chico Malfitanni, em entrevista em sua casa, em São Paulo
Chico Malfitani, 61, jornalista, sociólogo e publicitário, se acomodou em uma
cadeira de sua sala e avisou. "Não vou falar o que a Folha quer. Vou
falar o que eu acho."
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Em 1969, a garagem dos avós dele serviu de primeira sede da Gaviões da Fiel,
torcida organizada que ele fundou com outros 15 amigos no bairro do Bom Retiro.
Hoje, segundo o site da torcida, são mais de 90 mil afiliados.
Ex-marqueteiro de Luiza Erundina, Francisco Rossi, William Dib e Eduardo
Suplicy, Malfitani falou sobre as origens da torcida e, principalmente, os
caminhos que tornaram o futebol paulista violento a ponto de matar, como no
último dia 25, em que dois palmeirenses foram mortos por membros da Gaviões.
Condenou as brigas, mas defendeu a Gaviões; reclamou da mídia, que, para ele,
tem culpa no cartório. Falou até do papel de Lula naquilo que chama de
"crescente onda de ódio ao Corinthians".
Ele recebeu a Folha para a seguinte entrevista:
Folha - Quando fundada, qual era o propósito da Gaviões?
Chico
Malfitani - Éramos um grupo de garotos, eu tinha 19 anos. Fundamos a Gaviões
para derrubar a ditadura do Wadih Helu, que usava o clube fazia 11 anos para
suas eleições de deputado. Dentro do clube, o associado não conseguia se
organizar. Qualquer movimento era reprimido. Então éramos garotos, uns 15 ou 16,
de todas as partes da cidade, que se sentavam sempre no mesmo lugar. Nos unimos
para organizar a torcida e derrubar o presidente do Corinthians.
E o que mudou na torcida desde então?
A Gaviões mudou porque a
sociedade mudou. Quantas pessoas morriam assassinadas em um fim de semana de
1969? Está se cobrando um comportamento da Gaviões como se estivéssemos em uma
sociedade suíça. E os meios de comunicação são os maiores incentivadores. Outro
dia, o Sportv estava metendo o pau nas organizadas às 11h30 da manhã. Nisso,
entram cenas do MMA, sangue escorrendo. O Galvão [Bueno] gritando "direita,
esquerda", o cara socando o outro, e isso é civilizado? Os dirigentes se
provocam, dão declarações irresponsáveis. E depois a Gaviões é violenta?
Mas a própria polícia detecta criminalidade dentro das
torcidas.
Quem diz que só tem marginal nas torcidas nunca foi a um
estádio. Não podemos transformar essas torcidas num Taleban. De 70 mil sócios
[da Gaviões], 300 brigaram. Qual o percentual? Há indução à violência, games,
banalização da morte. E a gente quer que o torcedor esteja à parte disso como? A
sociedade mundial está violenta. E o Brasil, principalmente os meios de
comunicação, não faz nada para mudar.
O que houve naquele domingo, quando dois palmeirenses foram
mortos?
Neste episódio não tem justificativa, mas há uma explicação.
Antigamente não existia isso de juntar 20 pessoas e chutar a cabeça do cara no
chão. Não existia na torcida nem na sociedade. Em 28 de agosto do ano passado,
espancaram o Douglas [Karim Silva, corintiano] até a morte. Passaram a moto por
cima dele e jogaram o corpo no rio. Requintes de crueldade. Não houve punição
até hoje. Então você não consegue controlar um grupo de pessoas que não aguenta
mais. Aguardou-se de agosto do ano passado até duas semanas atrás para que a
polícia tomasse uma providência sobre o garoto que foi massacrado. Não deram
bola. Chegou a um ponto em que quiseram se vingar. Deu nessa tragédia. Cabe aos
dirigentes das torcidas e dos clubes pacificarem as coisas.
A Gaviões enviou
à polícia um relatório de confronto com as vias mais perigosas da cidade. Não
teve inocente, e não teve massacre. Se teve algum aspecto não negativo nessa
tragédia, ao menos foram dois grupos numerosos que se encontraram. Absurdo. Mas
não houve 50 pessoas esmagando um coitado. Foi horroroso, não concordo, jamais
participaria disso.
Concorda com a proibição das torcidas?
Talvez no sentido de baixar
a poeira neste momento de crise. Foi útil para que todos reflitam um pouco. O
trabalho da polícia tem que ser de mais investigação. O tráfico de drogas entrou
pesado em outras torcidas. Tem que investigar. Mas está havendo uma caça às
bruxas, não vejo uma intenção real de pacificar as torcidas.
Algumas pessoas defendem a extinção delas.
Vamos acabar com Israel?
Com a Palestina? Afeganistão? Não. Amar um clube não quer dizer que você precise
aniquilar o adversário. Há uma minoria que convive com violência no dia a dia.
Mas pergunte a qualquer dirigente de organizada qual é a torcida menos violenta.
É a Gaviões. Não há orientação em relação à violência, nada. Não se acaba com as
torcidas porque as pessoas existem. Você pode acabar com as sedes, proibir
camisa, mas elas vão continuar indo aos jogos do mesmo jeito. A questão é que o
garoto que vai para a torcida organizada só escuta uma pessoa: o dirigente da
torcida organizada. É o espaço dele. Por isso tem que haver um trabalho dos
dirigentes das torcidas. Veja a nota oficial da Gaviões e a nota da Mancha. Na
Mancha, o pessoal mais velho, Paulo Serdan, foi largando [a torcida].
A Gaviões nasceu batendo de frente com a diretoria do Corinthians, mas
hoje anda de mãos dadas com ela...
Não. O Andres [Sanchez,
ex-presidente], a vida toda foi da Camisa 12, que é uma dissidência da Gaviões.
A Gaviões sempre teve uma atitude independente, não há essa subserviência, não
existe dar ingressos. E, se você frequenta o estádio, sabe que a organizada é
quem apoia o time do começo ao fim. Dirigente não gosta de cobrança. Desde que
pintou a história do Itaquerão, a questão política, houve um acirramento do
ódio. Tenho amigos palmeirenses, são-paulinos. Virou um ódio. As pessoas têm
ódio do Corinthians. A questão política, Lula, Serra, PSDB, a Copa do Mundo,
dinheiro público, acirrou os ânimos através da mídia. Nós, torcedores, sentimos
isso. Você não torce para o São Paulo, você prefere que o Corinthians se ferre.
Era diferente. Não havia aquele ódio. Se vir um cara na rua com outra camisa, um
cara quer matar o outro.
Continua indo aos jogos?
Todos. Vou lá na arquibancada. Mas nunca
mais vesti uma camisa da Gaviões nem do Corinthians no caminho para o estádio.
Há anos não faço isso. Há muito ódio, e esse ódio só vai ser resolvido se os
dirigentes tomarem providências. Quanto o futebol fatura hoje? A Nike, a Globo,
o Ricardo Teixeira? A custa do sangue desses coitados que vão se matar?
Ficaria tranquilo se seus filhos fossem ao estádio junto com a
Gaviões?
De ônibus, hoje, não ficaria tranquilo. A violência fora do
estádio está enorme. Mas já houve momentos piores. A polícia não pode encarar o
torcedor como bandido. O que precisa ser feito é uma UPP [Unidade de Polícia
Pacificadora]. A PM manda 600 homens para desalojar o Pinheirinho, manda 400
homens de sua tropa de elite para a USP e, para evitar um confronto que estava
agendado pela internet, manda duas viaturas? O que querem, afinal? Que tudo
exploda e o futebol fique elitizado?
Fonte: Folha

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