Dr.Otacilio Cassiano Neto

Dr.Otacilio Cassiano Neto

terça-feira, 24 de julho de 2012

De 2008 a 2012, como o Corinthians virou referência em gestão


A Copa Santander Libertadores é a principal obsessão do futebol brasileiro. Para um clube que nunca a havia vencido, então, cujos torcedores eram atormentados por palmeirenses, são-paulinos e santistas, todos eles campeões continentais, o valor da conquista é ainda maior. Foram nessas condições que o Corinthians se tornou o melhor time da América Latina e se consolidou como uma das melhores gestões do Brasil.
Os méritos pelo "título" fora de campo são ainda mais claros, principalmente, porque o clube havia sido rebaixado à segunda divisão menos de cinco anos antes, no fim de 2007, depois de ter se envolvido intensamente com o empresário iraniano Kia Joorabchian. Acusações de lavagem de dinheiro na empresa dele, a MSI, foram fatos que contribuíram para que o Corinthians fosse à Série B na época. Trata-se de um renascimento.

E um renascimento que teve alguns principais nomes. Andrés Sanchez, agora ex-presidente, foi quem assumiu o clube e o organizou na parte política. Mas a gestão foi reconstruída por Luis Paulo Rosenberg, renomado economista que foi, entre outros cargos, assessor do ministro Delfim Netto no governo de João Figueiredo, responsável por negociar com o Fundo Monetário Internacional (FMI) durante a ditadura militar.

No Corinthians, a evolução é facilmente notada em balanços patrimoniais. Entre 2008 e 2011, o faturamento anual saltou de R$ 117,5 milhões para R$ 290,4 milhões, o maior do país. Em entrevista àÉpoca NEGÓCIOS, o ex-diretor de marketing e atual vice-presidente, Rosenberg, apontou quais foram os principais acertos: "o projeto mais importante foi o sócio-torcedor, e o segundo, a rede de franquias. Em três anos, abrir 110 lojas é inédito na história do futebol mundial".

Orador habilidoso, qualidade que certamente aprimorou durante as trativas com o FMI, e adepto de palavrões e provocações, do modo que o torcedor corintiano admira, o dirigente explicou como o Corinthians irá manter o crescimento nas receitas. O estádio, cuja estimativa é render R$ 100 milhões líquidos por ano, é um dos principais pilares, mas as negociações só devem começar no fim deste ano.
Sem patrocinador máster desde abril passado, quando a Hypermarcas decidiu não estender o aporte que fez nas últimas temporadas, Rosenberg também justificou por que o clube ainda não vendeu essa cota. "O Corinthians é muito caro, negocia de forma muito dura e depois entrega mais do que combinou. Mas as empresas estão muito desalentadas com o quadro econômico mundial. Isso é economia, não é futebol".

A gestão do Andrés Sanchez começou no fim de 2007, com o Corinthians na segunda divisão, e menos de cinco anos depois a Libertadores foi conquistada, uma antiga obsessão da torcida. Quais foram os principais acertos, em termos de gestão, nesse período?
Em primeiro lugar, a reforma do estatuto, tornando ele democrático, moderno e dinâmico. Em segundo, a blindagem do futebol. O Corinthians deve ser o clube com menos intervenção de corneteiros, empresários e familiares. Em terceiro, o estádio. E, em quarto, o marketing.


No caso do marketing, o que fez a maior diferença?
O projeto mais importante foi o sócio-torcedor. O segundo, a rede de franquias. Em três anos, abrir 110 lojas é inédito na história do futebol mundial. E tudo o que a gente faz é para facilitar a vida da Fiel. Fizemos quatro longa-metragens, contando recortes da nossa história. Temos uma TV 24 horas em um canal a cabo exclusivo. O resto é decorrência.


Dá para citar também alguns erros importantes nesses cinco anos, medidas que hoje se mostram pouco acertadas?
Dá, claro. Tentamos fazer um jornal semanal, não conseguimos. Tentamos fazer uma rádio FM, não conseguimos. Amistosos, então, nós somos um desastre. Não conseguimos colocar de pé nenhum amistoso notável.

Mas aí tem um problema de calendário, porque o brasileiro não bate com o europeu, e isso extrapola o Corinthians, não?
É verdade. Mas às vezes tem algumas brechas, tentamos fazer e não somos bons nisso.

A gestão do Corinthians é muito elogiada, com um faturamento que cresce ininterruptamente há vários anos, e o maior contrato de TV do país. Ainda existe hoje a possibilidade de haver um retrocesso na gestão do clube?
É mais ou menos a situação do Brasil. Se a gente eleger uma Cristina Kirchner [presidente da Argentina] tudo é possível. Se elegermos um débil mental que chega aqui e diz que loja e sócio-torcedor são p**** nenhuma, podemos regredir. O Corinthians é muito presidencialista, então temos que ser muito pedagógicos no que fazemos, explicar o porquê, para tentar manter. E, novamente usando a metáfora do Brasil, quanto mais democrático for o processo de eleição, menor esse risco. Sabe-se que um colégio eleitoral de três ou quatro mil tem muito mais chances de errar do que três ou quatro milhões.


No futebol brasileiro, isso é um problema recorrente. Um presidente faz um bom trabalho por dois, quatro ou seis anos, aí entra um novo, e as coisas começam a regredir. Tem como resolver esse problema?
Ou você realmente conquista corações e mentes ou não funciona. Agora, você vê que a gente está evoluindo. Primeiro, foi uma prova de maturidade fantástica o Andrés [Sanchez, ex-presidente corintiano] não pedir reeleição, ao contrário de outros presidentes do país, para dar exemplo de que a gente luta por ideais quando está fora que não mudam quando a gente está dentro. Conseguimos eleger um presidente que tem a maior qualificação dentro do clube. Acredito que a equipe do Mário [Gobbi, presidente corintiano] é um avanço em relação à do Andrés.


O que mudou da gestão do Andrés para a gestão do Gobbi, agora?
Tivemos que fazer substituições, e ele foi muito feliz.


No marketing, no futebol, no financeiro?
Em tudo. No marketing, ele trocou um economista metido a besta [Rosenberg refere aqui a si mesmo] por um dono de uma Saatchi & Saatchi [agência de publicidade da qual Ivan Marques, atual diretor de marketing corintiano, é sócio-diretor]. É um avanço significativo.


O Ivan está atendendo às expectativas?
O Caio [Campos, gerente de marketing corintiano] está tendo com quem dialogar, criar coisas. Como ele iria conversar com um economista para explicar o que é ativação? Melhorou muito.


Depois de vencer uma Libertadores, dá para estimar quanto vale esse título financeiramente? Somando patrocínios pontuais, bilheterias...
Ainda não está definido, porque tem muita água para correr. Fiz uma estimativa com o Caio, e por baixo já deu uns R$ 25 milhões. Mas acho que vai dar mais do que isso. A loja está faturando muito mais. É difícil saber. Quando lançarmos o livro da Libertadores, vai ser uma febre. O livro do Brasileirão do ano passado está vendendo muito mais desde que a gente ganhou. Dá para dizer os efeitos diretos, mas os indiretos são muito grandes. E quantos torcedores de três, quatro ou cinco anos eu ganhei? É o consumidorzinho que vai comprar nossos produtos daqui a 15 anos.


Daqui até o Mundial, como o Corinthians irá explorar o título da Libertadores e a participação no Mundial comercialmente?
Na verdade, tenho dois produtos para vender. Um é o congelamento da Libertadores em produtos, que é lançar camisetas e livros. Mas eu ganhei de graça um outro produto que talvez seja ainda mais valioso, que é a perspectiva de ganhar um Mundial. Vamos começar a fazer festas para a preparação e a mobilizar a torcida no exterior a favor do Corinthians. Imagine o que teremos de torcedor na Inglaterra. Teremos mais torcida que o Chelsea [virtual adversário corintiano no Mundial de 2012]. Do mesmo jeito que torcemos para o Manchester United contra o Palmeiras [no Mundial de 1999], vamos ter a torcida do Manchester City, do Arsenal. Vão ser todos nossos. Faremos esse trabalho e vamos começar a vender camiseta lá fora.


O mundial será uma oportunidade única de expor a marca do clube para o mundo. Haverá alguma ação para internacionalizar a marca do Corinthians, algo que se fala muito no Brasil e se faz pouco?
A gente estava trabalhando nisso mesmo sem o título, então vai acelerar. O que imaginávamos que ia acontecer no ano que vem vai acontecer neste ano. Vamos lançar um programa de TV semanal na televisão aberta chinesa só sobre o Corinthians, de meia hora. Vamos fazer amistosos e trabalhar com a Nike para fazer venda de camisas. Estamos só esperando o calendário do ano que vem, que será atípico, por causa da Copa das Confederações, e achamos que terá brechas legais para amistosos. Estamos negociando com Estados Unidos, África, mundo Árabe e China.


E aí a Nike tem o papel de fazer o meio-campo?
Sim, claro. Sempre tivemos a plataforma mais poderosa do mundo para a internacionalização e nunca nos sentimos confortáveis para usá-la. Agora, sim.


Quanto à contratação do Chen Zhizhao, como o Corinthians a avalia depois de todos esses meses? A estratégia para aparecer na China funcionou?
Eu estive lá, e você não imagina o "auê" que ele provoca. Note, se o Corinthians tivesse contratado um grande jogador de tênis de mesa da China, já seria notícia. Quer dizer, pegar o que eles fazem de melhor, trazer para o Brasil e aproximar os dois países. Agora, quando o maior país de futebol do mundo pega o time campeão brasileiro, e ele pega um chinês para jogar, isso é pegar uma mulata do [Oswaldo] Sargentelli e colocar para cantar ópera. É muito mais exótico, emotivo, e o chinês está muito feliz com isso. Pena que ele não jogou. Foi se machucar, uma coisa que o marketing não consegue prever. E o menino é bom, viu? Do jeito que está tudo dando certo no Corinthians, ele será o novo Neymar.


O Corinthians, hoje, está sem patrocínio máster, assim como Flamengo e São Paulo. O que aconteceu? Os valores pedidos estão muito altos? As empresas ainda não se sentem confortáveis em pagar R$ 50 milhões?
Primeiro, o Corinthians ficou muito contente com os patrocínios pontuais que a gente fez durante a Libertadores, porque eu jamais conseguiria isso em um contrato anual. E você já conhece nosso estilo. Em cinco anos, não muda. O Corinthians é muito caro, negocia de uma forma muito dura e depois entrega mais do que combinou. Estamos tranquilos.


Mas não prejudica ficar sem patrocinador máster?
É claro que é como ter um apartamento para alugar. A cada mês que você não alugou, você se arrepende de não ter dado o desconto daquele mês no contrato. Mas a diferença é a postura das empresas. Elas estão muito desalentadas com o quadro econômico mundial. Isso gera um processo mais lento de decisão dentro delas.


Isso deve mudar com a Copa chegando?
Não. Isso muda com a economia americana dinamizando, a europeia saindo da miséria, e a gente voltando a crescer. Não tem jeito. Isso é economia, não é futebol.


Durante o Mundial, apenas a cota máster, justamente a que está livre hoje, tem exposição durante a partida. Isso será um trunfo nas negociações?
Sem dúvida. Nem precisa dizer, porque as empresas já sabem muito bem.


Como está a exploração comercial da Arena Corinthians? Há alguma negociação ou alguma propriedade vendida?
Não, estamos segurando. Eu só vou ter essa arena em setembro de 2014. Quanto mais ela estiver evidente, mais caro eu vendo. Vender agora é vender na baixa. Ela é tão diferente de todas as outras, tão monumental, você não imagina o acabamento que tem aquela arquibancada de dez andares. A hora que o empresário visualizar aquilo... Vai ter um lounge antes dos camarotes que, para uma indústria automobilística colocar os lançamentos, é coisa para gente AAA.


Quando é a hora perfeita para começar a vender?
No fim do ano, eu já começo.


Quanto dá para arrecadar com estádio por ano?
A nossa estimativa é um acréscimo líquido de receita de R$ 100 milhões por ano.


Os naming rights (direito de nomear um estádio com uma marca) estão inclusos?
Sim. São R$ 20 milhões por ano. Mas isso é pouca coisa. O que dá dinheiro é camarote. O estádio continuará com a postura corintiana de Robin Hood. Ele vai ser muito caro para a classe A e suportável para as classes C e D, porque ele é todo segmentado. Mas mesmo assim na área popular o banheiro vai ter ar condicionado. É diferente quando é do dono, porque o zelo é muito maior.


Inclusive, principalmente entre outras torcidas, existem muitas críticas pelo estádio ter um financiamento de R$ 400 milhões do BNDES. Isso mancha de alguma maneira a construção do estádio?
Imagine! Financiamento não é doação. Vou pagar igual a todos os outros estádios, sem nenhuma ajuda. Agora, tudo aquilo que foi ampliação exigida pela Fifa, seria justo que eu pague? Quem vai se beneficiar disso? A cidade de São Paulo. Então ela pegou um estímulo que já tinha em lei e cedeu um investimento que dá um grande retorno para ela. Eu pago o meu, ela paga o dela. Tenho R$ 100 milhões para pagar por ano, p****.


O senhor já deu muitas declarações polêmicas, algumas engraçadas, outras alfinetando presidentes de outros clubes. Em algum momento sentiu que passou algum limite?
Não, que isso! O que eu faço é aguçar rivalidade, nunca inimizade. A relação que tenho com a diretoria do São Paulo é fraterna, assim como com o Palmeiras e Santos. O futebol precisa disso: mostrar que rivalidade existe, tem que ser aguçada e deve durar rigorosamente 90 minutos dentro de campo. Na hora de sair e pegar o metrô, somos todos proletariados que não sabem como o salário vai chegar até o fim do mês. Não imagino amar ou odiar uma pessoa porque a camisa dela é verde, isso é ridículo. Acho que esse tipo de atitude faz trocar violência por jocosidade.


E tem funcionado?
A segurança pública considera a nossa a menos violenta das torcidas. Temos muito diálogo, mostramos o que tentamos fazer, então acho que estamos indo bem.


Como o Corinthians avalia o patrocínio ao Anderson Silva?
Maravilhoso. A gente descobriu que em outras modalidades não é o time que decide onde vai ter patrocínio, é o mercado. Conseguimos o Anderson da forma que foi, e está indo muito bem o polo. É claro que queríamos um grande time de vôlei, outro de basquete, fazemos com muito sacrifício a natação, mas gostaríamos de ver isso decolando. O Gobbi tem uma participação muito grande para ver o Corinthians na Olimpíada. À medida que ela se aproxima, vai ter mais patrocínios para essa área. Mas infelizmente o clube tem de ser reativo. Em cinco anos, tentamos muito atrair recursos para essas modalidades, mas com muito pouco sucesso.


Qual é o principal problema?
Pouca exposição. O Brasil é um país muito focado em futebol.


No caso do MMA, depois que o Anderson Silva se aposentar, vocês pretendem seguir investindo ou é uma coisa pontual na história do clube?
Quem vai dizer é o mercado. Acho que se surgir uma liderança forte daqui a cinco anos, quando o Anderson parar, a gente vai ter continuidade.

Fonte: Época Negócios

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