Dr.Otacilio Cassiano Neto

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sábado, 1 de setembro de 2012

Há 20 anos, Ayrton Senna salvava vida de colega ao socorrê-lo em batida chocante


Naquele fatídico 1º de maio de 1994, enquanto Ayrton Senna era atendido pela equipe médica na “maldita” curva Tamburello no circuito de Ímola, um carro vermelho desobedeceu as bandeiras vermelhas, saiu dos boxes e parou próximo ao local do acidente que tirou a vida do brasileiro. Era o piloto francês Érik Comas a bordo de sua Larousse. Ele se aproximou do helicóptero e dos fiscais de pista, observou o tricampeão gravemente ferido e ficou tão impressionado com a cena que não continuou na prova e, no fim do ano, abandonou a Fórmula 1.
O grande choque de Comas tem explicação. Ele tinha uma relação muito peculiar com Ayrton. Dois anos antes, os dois vivenciaram papéis inversos. Há 20 anos, em uma sexta-feira de treinos em Spa-Francorchamps, palco do GP da Bélgica do próximo fim de semana, o francês bateu fortemente com sua Ligier na curva Blanchimont e ficou atravessado no meio da pista.
Frame - Ayrton Senna para na pista e socorre Érik Comas no GP da Bélgica de 1992, em Spa-Francorchamps (Foto: Reprodução/TV Globo)Senna para na pista e socorre Érik Comas no GP da Bélgica de 1992, em Spa (Foto: Reprodução/TV Globo)
Ao ver o colega acidentado, Senna imediatamente parou o carro no circuito e, literalmente, saiu correndo para ajudá-lo. Ao perceber que o piloto estava desacordado com o pé no acelerador, desligou o motor para evitar uma possível explosão. Na sequência, ainda segurou a cabeça de Comas em uma posição confortável, tendo certeza que o piloto respirava até a equipe médica chegar ao local. Clique aqui para ver o vídeo com o lance. Anos depois, em um depoimento emocionado à TV francesa, Érik Comas quebrou o silêncio sobre o assunto e, grato pela atitude, disse que teve a vida salva por Ayrton.
- Vi o vídeo depois, mas não lembro de nada. É como se minha memória tivesse apagado momentos antes do impacto. O pneu dianteiro direito atingiu minha cabeça e me levou a nocaute. Estava inconsciente, mas continuei com o pé no acelerador. Ayrton chegou e ouviu o som dos giros do motor. Parou e correu em minha direção enquanto ainda havia carros passando na pista. Eles estavam mais lentos porque havia bandeiras amarelas, mas a pista não estava vazia. Ele desligou meu carro. Naquele momento havia um risco real muito grande de explosão. Como consequência da batida, havia alguns vazamentos e ninguém pode imaginar o que teria acontecido. Ayrton salvou minha vida – contou o piloto de 28 anos, que, após deixar a F-1, seguiu carreira no Turismo, colecionando vitórias no Japão, além de participações na tradicional 24h de Le Mans, na França.
Ayrton Senna, no GP da França de 1992 (Foto: Getty Images)A preocupação de Ayrton Senna com segurança aumentou com o passar da carreira (Foto: Getty Images)
Dino Altmann, diretor médico do GP do Brasil desde 1990, destaca que, apesar de inusitada, a atitude de Ayrton foi acertada. Ele lembra que o brasileiro conhecia muito bem os procedimentos de primeiros socorros, adquiridos em conversas com Sid Watkins, delegado da equipe médica e de segurança da F-1 durante 26 anos, de quem era amigo próximo.
- Desde um acidente com Martin Donnelly, em 1990, Ayrton mostrava preocupação crescente com segurança. Na época, ele foi próximo ao local e assistiu o resgate. E Senna tinha grande proximidade com Sid Watkins. Eles eram muito amigos, de ir pescar juntos no Brasil, no Pantanal. E em pescarias se conversa muito, não é? Ele sempre perguntava o que poderia fazer para ajudar quando se deparasse com algum acidente. E o Sid falava alguns procedimentos para serem tomados. Então, mesmo como leigo, Senna sabia muito bem o que fazer para ajudar a equipe médica. Não foi algo que ele foi lá mexer sem saber o que estava fazendo. Ele sabia exatamente como proceder – destaca Dino, lembrando a chocante batida que acabou por encerrar a carreira de Donnelly em um treino em Jerez, na Espanha. O carro do britânico partiu em dois e o piloto ficou solto na pista, preso apenas ao banco.
Sid Watkins médico da fórmula 1 (Foto: Agência Getty Images)
Sid Watkins foi delegado da equipe médica da F-1
durante 26 anos (Foto: Getty Images)

Sid Watkins: "Ótimo aluno"
Anos depois da morte de Ayrton, em entrevista ao renomado jornalista britânico Nigel Roebuck, Dr. Sid Watkins elogiou a postura do brasileiro, a quem classificou como "ótimo aluno".
- No caso de Donnelly, Ayrton observou o que fiz por cima dos meus ombros. Eu nem sabia que ele estava lá. No dia seguinte, ele me disse: "Vi o que você fez. Por que você fez isso, por que fez aquilo?". Depois, ele chegou ao acidente do Érik Comas antes de qualquer um. Quando cheguei ao local, Senna estava ajoelhado segurando seu pescoço do modo correto. Quando saímos, ele falou: "era para ter certeza que ele estava respirando. Pedi aos fiscais para manterem o capacete, para você examiná-lo". Ele era um ótimo aluno. Vi que tudo que eu falava ficava na cabeça dele para sempre.
Diretor de prova do GP do Brasil durante 18 anos, Mihaly Hidasy lembra que, pelas regras da categoria, parar o carro no meio do circuito seria uma atitude passível de punição. No entanto, o húngaro naturalizado brasileiro pondera que se tratava de uma ocasião especial, pois havia uma vida em jogo.
Mihaly Hidasy, diretor de provas do GP do Brasil de 1991 ayrton senna (Foto: Arquivo Pessoal)

Mihaly deu as bandeiradas para as duas vitórias de
Senna em Interlagos (Foto: Arquivo Pessoal)

- Existe no regulamento que não se deve parar na pista sem motivos, ele até poderia ser punido. Mas era um acidente, uma vida. É um assunto delicado, difícil dizer que é certo ou errado. Em geral não é aconselhável parar na pista. Imprudente foi, mas não era um motivo técnico, era um bom motivo, que era salvar uma vida. Foi um gesto bonito - disse Mihaly, que teve o privilégio de dar a bandeirada para as duas vitórias de Senna em Interlagos, em 1991 e 1993.
Mihaly também ressalta que o circuito de Spa-Francorchamps é um dos mais extensos da Fórmula 1 e que, ainda mais naquela época, quando os procedimentos de socorro eram menos ágeis, o atendimento a Comas poderia demorar a chegar, o que poderia ser fatal.
- A Bélgica é um circuito muito longo. Acredito que ele tinha ciência que talvez não tivesse carros de regaste por perto e o deslocamento não seria muito rápido. Naquela época, há 20 anos, o sistema de resgate não era tão eficiente quanto hoje – analisou.
Comentarista de automobilismo do SporTV, Lito Cavalcanti destaca que a preocupação de Senna com a segurança contrastava com o estilo agressivo do piloto dentro das pistas, mas elogia a iniciativa do tricampeão.
- Esse lance mostrava a preocupação que o Senna tinha com a segurança nas pistas. Pilotando, Senna sempre se colocava na situação de "eu não vou tirar o pé, se quiser a gente bate", mas com a carreira já consagrada, começou a ter mais atitudes que demonstravam essa preocupação. Chegava a ser até uma certa incongruência com o que ele apresentava. Nesta prova, não foi uma atitude tão prudente, porque vinham carros atrás, mas foi correta. E o risco já era reduzido, porque antes do setor já havia sinalizações para os carros reduzirem. E ele salvou, realmente a vida do Comas. Foi o que aconteceu - analisa.
Érik Comas: " Ele salvou minha vida, mas eu cheguei muito tarde"
A atitude de Senna fez Érik Comas ter muita admiração pelo brasileiro. Dois anos depois do traumático episódio em Spa, quis o destino que os dois se reencontrassem em papéis inversos. No mesmo depoimento à TV francesa, o piloto contou que em 1994, em Ímola, tentou retribuir, mas era tarde demais, não havia mais nada que ele pudesse fazer.
- Quando passei na curva Tamburello, os helicópteros médicos, as ambulâncias, o carro de Ayrton, todos estavam lá. Vi que já estava colocado em uma maca, então parei meu carro. Uma paralisia me bateu, porque eu estava próximo de um homem que, dois anos antes, tinha salvado minha vida e eu não podia fazer nada para ajudá-lo. Isso foi horrível. Ele salvou minha vida, mas eu cheguei muito tarde. Eu não era médico, e o estado que ele estava era muito pior que o meu. O acidente dele foi diferente do meu. Mas me encontrar naquela situação, ao lado dele, me sentindo tão impotente, foi uma experiência horrível. Fui o último piloto a vê-lo. Foi difícil aceitar que tive a honra de fazer a última visita antes de ele ir embora. Para mim, foi o fim do livro na Fórmula 1.
Fonte: globoesporte

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